sexta-feira, 26 de março de 2010

Mr. Vingança, de Park Chan-Wook


Sou grande fã do cinema coreano. Desde Old Boy, Park Chan-Wook tornou-se um dos meus cineastas de pele amarela preferidos. Já li críticos comparando Chan-Wook a Tarantino, e de fato é uma comparação plausível. Há quem diga, inclusive, que o coreano coloca Tarantino no chinelo. Chan-Wook é um mestre dos filmes de violência gratuita, com os elementos sangue jorrando, vísceras expostas e crueldades desmedidas sendo usados à volonté.

Nessa semana assisti Mr. Vingança, de 2002. O filme conta a história de Ryu, um rapaz surdo-mudo de cabelos azuis esverdeados com cara de abobalhado que pretende ajudar a irmã que precisa fazer um transplante de rim. Sem doadores compatíveis, Ryu recorre ao mercado negro. Numa transação, ele é passado pra trás por uma quadrilha, que rouba toda sua economia assim como seu rim. A namorada de Ryu o convence então a sequestrar a filha de 4 anos do empresário Dong-Jin para conseguir novamente o dinheiro para cobrir os custos do transplante da irmã. Mas o seqüestro não sai como planejado. A irmã de Ryu se mata e a menina seqüestrada morre acidentalmente. O que vemos a partir de então é o plano de vingança de Dong-Ji contra os sequestradores de sua filha e, simultaneamente, a vingança de Ryu contra a quadrilha que roubou seu rim e seu dinheiro.

Há uma cena em que Ryu se utiliza de um taco de baseball para liquidar com uma de suas vítimas, que faz o Urso Judeu, de Bastardos Inglórios (Tarantino), que também se utilizava de um taco para destruir as cabeças dos nazistas, ficar miúdo no quesito sangue nos olhos. Cena de se fechar os olhos de nervoso.

Um filme que envolve o seqüestro e a morte de uma criança e que aborda um tema tão sanguinário quanto a compra e a venda de órgãos humanos no mercado negro já é de se eliminar os que não possuem um pouco de sangue frio. Aliás, os filmes de Park Chan-Wook exigem estômago forte e coração em dia.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um Homem Sério, dos irmãos Cohen


"Tá pensando o quê de mim? Eu sou um homem sério, oras!" É muito fácil numa discussão ouvirmos alguém disparar com o dedo em riste essa expressão para defender-se de algum insulto. Mas qual é mesmo o conceito de um homem sério, hein? É um sujeito que paga as contas em dia? Uma pessoa incorruptível? Que ajuda os familiares menos afortunados? É um sujeito exemplar no trabalho? Um cara politicamente correto? A comédia dramática dos irmãos Cohen é uma lente de aumento sobre um homem de fato sério. No filme, o mundo estruturado de Larry Gopnick é colocado em xeque quando de um dia pro outro todas as áreas de sua vida desmoronam, deixando-o sem chão.

Larry é um típico pai de família dedicado à mulher e aos filhos. Leciona Física numa universidade e está prestes a ganhar estabilidade. Ele acolhe em sua casa o irmão desafortunado que não tem onde morar. Em suma, Larry é um cidadão íntegro. E o que acontece quando uma avalanche de problemas estoura e sua vida é arrastada cada vez mais pra longe de seus conceitos, crenças e moralidades?

No trabalho, o chefe de Larry informa que está recebendo cartas de um anônimo que tenta tirar o crédito de sua integridade logo quando ele está prestes a receber uma promoção. Sua mulher Judith pede o divórcio e, pra completar, assume que está namorando Sy Ableman, um amigo do marido. Seu filho adolescente Danny se mete com maconha e com indisciplina na escola. Sua filha Sarah vive pegando dinheiro de sua carteira para fazer uma futura cirurgia plástica no nariz. O vizinho invade o gramado de seu quintal. Seu irmão Arthur envolve-se com a jogatina. E assim Larry perde a paz completa. Ele então recorre a rabinos numa tentativa de buscar respostas que tragam sentido aos problemas de sua vida. Os religiosos, no entanto, expõem parábolas e histórias que não parecem trazer resposta e alívio pra nada, pelo contrário, imprimem em sua cabeça pontos de interrogações que o deixam mais atordoado que antes.

"Quando a verdade é encontrada, será mentira; toda a esperança com você morre". Sábias palavras do rabino Marshak. Ou seriam apenas umas linhas da música Somebody To Love (Jefferson Airplane). Um Homem Sério é de fato um filme que traz respostas que vêm em embalagens de dúvidas. E Larry Gopnick me fez lembrar uma passagem da Bíblia, no livro de Mateus, que diz que o sol nasce sobre maus e bons e a chuva cai sobre justos e injustos.

Vale a pena assistir.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Distrito 9, de Neill Blomkamp


Distrito 9 deveria ser adotado em aulas de História. O filme nos aproxima bastante do Apartheid - regime adotado durante 42 anos na África do Sul (de 1948 a 1990) no qual o poder concentrava-se nas mãos dos brancos. Os negros e os demais povos eram obrigados a viver segregados em áreas estabelecidas pelo Governo e sob leis que os impediam de ser verdadeiros cidadãos, com pouco ou nenhum direito social, econômico e político. O grande tema do filme de Neill Blomkamp é essa analogia à parte obscura da história da África do Sul, já que os aliens, preconceituosamente chamados de "camarões" pelos humanos, sobrevivem num tipo de confinamento geográfico e submetidos a leis similares aplicadas aos negros na época do Apartheid: a Lei do Registro Populacional, por exemplo, que obrigava o cadastro de todas as pessoas separadas por raças; a Lei das Áreas de Agrupamentos, que barrava os negros em áreas permitidas somente aos brancos; a determinação e a criação dos bantustões (bairros só para negros).

As cenas de violência são compensadas por algumas doses de comédia, não permitindo que o filme seja de todo tenso e sério. Há uma boa carga de humor, principalmente a que se concentra no protagonista nervoso e agitado, Wikus Van De Merwe.

Distrito 9, sem sombra de dúvida, foi um dos melhores filmes de 2009 com seu roteiro inovador e realista. Porém não posso deixar de observar alguns pontos negativos: a falha na parte técnica de narração - que se perde entre o modo convencional e o modo "a la Cloverfield" de se filmar -, os clichês dos personagens que lembram o primeiro filme do Hulk e outros filmes - sogro militar do mal e soldado brutamontes transformado em grande vilão - e o final que deixa o espectador com muitas dúvidas no ar.

Para mim, um dos melhores e mais originais filmes de ficção científica que já assisti.

terça-feira, 9 de março de 2010

Onde Vivem os Monstros, de Spike Jonze


Já havia lido críticas dizendo que Onde Vivem os Monstros era um filme que tinha pouco de aproveitável para o entendimento das crianças além dos simpáticos monstros que, aliás, me fizeram lembrar muito os personagens de A História sem Fim, de 1984. Se não tratasse de questões mais profundas, também compararia o roteiro adaptado de Spike Jonze ao do filme infantil do início da década de oitenta, cujo personagem principal também usa a imaginação como refúgio dos problemas do dia-a-dia. Onde Vivem os Monstros é capaz de penetrar no ninho onde adormecem algumas de nossas questões incômodas e trazê-las à superfície para um confronto direto à luz da realidade. As dúvidas do menininho, nomeado rei pelos monstros de um mundo fantástico, são impressionantemente muito parecidas com as minhas enquanto adulto. Como agradar a todos que me cercam com as suas carências e personalidades? Como tomar a melhor decisão diante de certas circunstâncias? Como administrar de forma equilibrada o meu próprio reino?

Fiquei surpreso com o fato de o filme não ter concorrido a nenhuma categoria do Oscar deste ano. Lamentável ao quadrado. Havia força suficiente para disputar melhor filme, melhor diretor, melhor trilha sonora e melhor roteiro adaptado (adaptação do livro escrito por Maurice Sendak em 1963).

Vale ressaltar a trilha sonora feita por Karen O., ex-namorada de Spike e vocalista da banda Yeah Yeah Yeahs, que traz a sensação da ingenuidade e da liberdade infantil enquanto Max brinca na floresta e na duna com seus amigos.

Tornei-me fã de Spike Jonze desde Adaptação, filme que dirigiu em 2002 sobre o próprio roteirista do filme, o confuso Charlie Kaufman. É dele também a elogiada comédia de humor negro Quero ser John Malkovich, de 1999, também escrita por Charlie Kaufman.

Onde Vivem os Monstros certamente reinará com toda sua majestade e importância em meu mundo particular do cinema.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Blade Runner, O Caçador de Andróides, de Ridley Scott


Quando Blade Runner foi lançado em vídeo, por volta de 1983 / 1984, lembro que meus pais me vetaram na sessão que seria feita no conforto da sala de casa. A justificativa: "não é filme pra criança". Certamente fui pra cama decepcionado. O título era (e ainda é) muito interessante para um menino de quase dez anos. O que poderia ser mais atraente para um garoto nessa idade do que as palavras "caçador" e "andróides" reunidas num único título que, aliás, segue a mesma linha, por exemplo, de O Exterminador do Futuro (filme violento para a época, pode rir), que assisti escondido na casa dos meus primos, lugar onde me realizava como fazedor de merda. Quase trinta anos depois, entendi que Blade Runner é de fato uma ficção científica mais cult que as demais. Meus pais estavam certos. Eu não entederia lhufas naquela época. No máximo iria me apaixonar pela andróide Pris, interpretada pela loira Daryl Hannah, com seu estilo new wave de ser e seus excêntricos movimentos de ginasta. Por outro lado seria bem capaz de ter pesadelo com o líder dos andróides Roy Batty, que mais parece um integrante de passeata gay e pouco tem de assustador. Estar na pele do herói blade runner Deckard (Harrison Ford), perseguindo andróides nas ruas futuristas de Los Angeles com sua pistola modernosa, também não iria mal. Ainda mais tendo aos seus pés a linda e sensível andróide Rachael (Sean Young), com seu estilo de pin up andrógina.

O filme é uma adaptação da novela Do Androids Dream of Electric Sheep?, escrito em 1968 por Philip K. Dick. A história se passa em 2019, quando a humanidade inicia a colonização espacial. A fábrica de andróides Tyrell Corporation cria os chamados replicantes, seres geneticamente alterados, mais fortes e mais ágeis do que os próprios humanos. Por algumas razões, os replicantes foram criados com um tempo de vida útil de apenas quatro anos. O trabalho pesado e arriscado nas colônias é feito por eles. Ocorre um motim numa dessas colônias e a presença dos replicantes na Terra torna-se proibida. Aí é que entra em ação o ex-blade runner Dackard (uma espécie de soldado de elite dos caçadores de andróides), voltando à ativa para combater os replicantes rebeldes que vêm à terra em busca do seu criador para fazê-lo aumentar a duração de suas vidas.

É nítida a importância desse filme na história do cinema. Sugiro ainda que o assistam mais de uma vez, pois uma série de questões filosóficas são levantadas e, portanto, numa primeira sessão feita com um olhar menos atento são passíveis de não serem percebidas. As grandes dúvidas que afetam os replicantes são as mesmas que as nossas: quem é o nosso criador? por que morremos? qual a nossa missão?

A trilha sonora é marcante, visto que eu já conhecia grande parte dela antes mesmo de assistir o filme. Sensação de reconhecimento. Logicamente que nesses quase trinta anos de Blade Runner suas músicas foram exaustivamente repetidas em publicidades e paródias, o que torna a trilha bem familiar a quem assiste o filme pela primeira vez.

Um detalhe importantíssimo que não poderia deixar de mencionar é a cena em que Dackard passa diante de um letreiro onde se pode ler Bradbury (não é Blackberry!). Que sacada do diretor para homenagear um dos maiores (senão o maior) escritores de ficção científica Ray Bradbury! Para quem não conhece, Bradbury é o autor americano de Crônicas Marcianas e de Fahrenheit 451, obras-primas da literatura adaptadas para o cinema, teatro, tv, quadrinhos etc. Para citar o exemplo mais conhecido, em 1966 Truffaut adaptou Fahrenheit 451 para as telonas. Aos mais resistentes às ficções científicas, como eu, os contos de Crônicas Marcianas são um excelente quebra-gelo. Sendo eu um dos que faziam coro ao grupo resistente a esse gênero, e tendo hoje como pilares do meu olhar sci fi o escritor Ray Bradbury e agora o filme de Ridley Scott, prometo a mim mesmo ter mais carinho e atenção com as obras literárias e audiovisuais voltadas aos robôs, alienígenas, espaçonaves e, principalmente, a uma humanidade mais consciente com seu planeta e com os seres que nele habitam.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Feliz Natal, de Selton Mello


A velha máxima popular “família é tudo igual, só muda o endereço” passou por minha cabeça durante grande parte do filme Feliz Natal (2008), de Selton Mello. Ao apertar o play do controle remoto, entrei em contato com os laços viscerais de uma família tão comum quanto à minha e às de milhões de pessoas espalhadas pelo globo.

Tragédias, culpas, acusações, loucuras, vícios, distâncias, separações, solidões. O oposto do afeto é cruamente exposto, trazendo uma introspecção incômoda. É quase palpável o vácuo existente entre os personagens. Pode ser que as questões levantadas passem batidas aos que vivem ao redor de uma mesa de café da manhã com pessoas perfeitas e sorridentes presas a um comercial de margarina. Não que isso seja uma utopia, o buraco da realidade é que é um pouco mais embaixo.

Quem é Caio e o que o passado dele esconde de tão grave? São perguntas que funcionam como fios condutores da trama. Cada personagem tem suas doses, geralmente cavalares, de drama. Os conflitos precedem aos diálogos através de olhares, sorrisos e gestos prestes a despencarem de um precipício a qualquer momento. É a certeza da existência de uma linha tênue separando as seguranças e as inseguranças da vida.

Sou suspeito para falar de Leonardo Medeiros, que interpreta o protagonista Caio. Até o momento gostei de todos os filmes com ele: Não por Acaso, O Cheiro do Ralo e Budapeste. Provavelmente tenha assistido outros trabalhos do gabaritado ator que geralmente encarna figuras atormentadas que muito me agradam e me incomodam (no melhor sentido da palavra).

Lucio Mauro também está excelente fazendo o papel de pai de Caio. Lucio é um verdadeiro monstro sagrado da dramaturgia brasileira e sou fã do ator.

Uma atriz que ainda não conhecia era Darlene Glória, que interpreta a mãe problemática de Caio. Excelente a cena em que ela resolve falar do sentido bíblico do Natal à mesa, no “enterro dos ossos” da ceia.

Graziella Moretto é rotulada em minha mente como atriz de humor. Tenho a impressão de que a qualquer momento ela vai me fazer rir. Nesse filme a atriz está otimamente dramática como a cunhada de Caio, apesar de não conseguir dissociar sua imagem do caricatural.

Quanto ao ator Paulo Guarnieri, nunca havia assistido nenhum filme com ele. Lembro do seu rosto em novelas da Globo quando eu ainda era moleque. Ele devia estar bem sumido, pois fiquei surpreso com a aparição dele no filme. Guarnieri faz o papel de irmão de Caio.

Esse foi o primeiro filme dirigido por Selton Mello. O roteiro foi escrito em parceria com Marcelo Vindicatto. Minha admiração por Selton era somente enquanto ator de cinema. Que os futuros trabalhos de Selton, também como diretor e roteirista, sejam tão bacanas quanto Feliz Natal.