segunda-feira, 21 de junho de 2010

Imitação da Vida, de Douglas Sirk


Um ótimo filme para o estudo de personagens. Todos eles caracteristicamente muito bem pontuados, o que os torna fortes. Até mesmo o leiteiro, um personagem ajudante que atua em apenas uma única cena, e mesmo assim de uma forma relâmpago, é um personagem marcante.

De todos do elenco, minha grande simpatia vai para Sarah Jane, a menininha racista interpretada por Karin Dicker, uma atriz mirim brilhante da época. Susan Kohner interpretou com o mesmo brilhantismo Sarah Jane já na fase adulta, como dançarina do Moulin Rouge.

O ponto negativo fica por conta das duas horas de duração, apesar de não ser nada arrastado. Pelo contrário, as cenas são dinâmicas e seguram a atenção. Apenas tenho que dobrar o fôlego quando filmes mais extensos chegam aos 90 minutos sem a conclusão.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Brideshead: Desejo e Poder, de Julian Jarrold


Um filme morno. Faltou empatia no triângulo amoroso.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

História(s) do Cinema - Uma História Só, de Jean-Luc Godard


"No fundo, as pessoas são muito mais infelizes do que julgamos. Então, no fundo, não há grandes pessoas."

"O cinema projetava e os homens viram que o mundo estava ali."

"(...) histórias de beleza, em suma. A beleza, a maquilagem. No fundo, o cinema não faz parte da indústria das comunicações, nem na do espetáculo, mas da indústria dos cosméticos, da indústria das máscaras."

"Pensei ainda na velha escola das pessoas que acreditam nas surpresas da vida, que acreditam no documentário e que acreditam que seria um erro ignorar o suspiro que uma moça deixa escapar."

(Trechos do filme "História(s) do Cinema - Uma História Só", de Jean-Luc Godard)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Mary e Max - Uma História Diferente, de Adam Elliot


Fazia tempo que não me emocionava tanto com um filme, ou melhor dizendo, com um longa em animação.

Baseado em história real, narra a amizade entre uma menina australiana de 8 anos e um novaiorquino de 44.

“A vida de todo mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas, outras têm fendas, cascas de banana e bitucas de cigarro”.
(Dr Hazelhof, médico de Max).

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Trecho do conto A Queda da Casa de Usher, do livro Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe


"... com uma completa depressão da alma, que não posso comparar, apropriadamente, a nenhuma outra sensação terrena, exceto com a que sente, ao despertar, o viciado em ópio, com a amarga volta à vida cotidiana, com a atroz descida do véu."

"Era uma sensação de alguma coisa gelada, um abatimento, um aperto no coração, uma aridez irremediável de pensamento que nenhum estímulo de imaginação poderia elevar ao sublime."

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Balão Branco, de Jafar Panahi


Conheci o cinema iraniano com o pé direito. Jafar Panahi, através do belíssimo O Balão Branco, de 1995, apresentou-me a um cinema que eu ainda não havia tido contato. E gostei do que assisti.

O filme conta a história de uma menininha, Razieh, que sai de casa para comprar um peixinho de estimação faltando pouco menos de uma hora e meia para a virada do ano novo iraniano. Com muito custo ela consegue o dinheiro com sua mãe, que lhe dá as últimas economias da casa para a compra do peixinho. Como não tem trocado, a mãe lhe dá uma nota alta para que a menina depois lhe traga o troco e assim possa comprar os presentes dos parentes para as festividades. No trajeto de sua casa para a loja, ela tem encontros com personagens que num primeiro momento parecem ter interesse no dinheiro que ela carrega. A qualquer momento esses personagens, muitas vezes carregados de uma certa frieza, parecem prestes a dar o bote em Razieh, aproveitando-se da inocência dela. E nos deparamos com as surpresas que ocorrem nesses encontros.

Entre tantos personagens interessantes, dou destaque ao irmãozinho da menina, o personagem dinâmico do filme, aquele que ajuda a consolidar o tônus da narrativa, dotado de um conhecimento superior em relação ao misbehavior da personagem principal. É ele quem penetra no mundo dos adultos e negocia com eles visando sempre o objetivo de sua irmã. São negociações às quais não tomamos ciência. O espectador, tanto quanto Razieh, fica a observar, com distância, o menino convencendo os adultos e logo em seguida voltando com êxito ao que se propôs. Uma técnica utilizada no roteiro que economizou brilhantemente diálogos e tempo. E o espectador se dá por convencido apenas com a sugestão dessas cenas.

Ao longo da narrativa cheia de significados humanistas percebemos que o diretor Jafar Panahi traz uma mensagem de esperança e de paz entre os homens, simbolizada pelo balão branco pendurado na haste carregada por um menino vendedor de balões, numa alusão à bandeira branca da paz.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore


O verdadeiro sentido da palavra "singelo" se encontra desenhado com traços audio-visuais perfeitos no filme Cinema Paradiso. "Alfredo, é belíssimo!", como diria o menino Totó na cena em que seu amigo bigodudo projeta imagens de um filme na parede de uma casa para que o público que não havia conseguido entrar no cinema por causa da lotação pudesse também assistir do lado de fora.

Cinema Paradiso foi sem sombra de dúvida o melhor filme a que já assisti. Incontáveis foram as vezes em que me peguei com um sorriso infantil no rosto. As cenas trouxeram lembranças remotas e alegres da minha infância. Totó viveu coisas que eu vivi e que vivo até hoje. A primeira namorada, as primeiras salas de projeção (Roxy, no Rio de Janeiro, e Cine Rio Branco, em Varginha, Minas Gerais, diga-se de passagem), a pequena cidade deixada para trás e principalmente o nascimento do amor pelo cinema.

Terminei o filme com o colo molhado por lágrimas. Lágrimas de alegria e de agradecimento a Giuseppe Tornatore, que me fez um bem danado com a mágica de sua história. Uma sensibilidade sem par. Seu roteiro e sua direção foram tão fascinantes que me transportaram para a sala de projeção mais perfeita que possa existir, ainda que estivesse assistindo ao filme diante de uma tela de computador num quarto escuro. Eu vivi na pele de Totó em Cinema Paradiso. Aliás, eu fui o menino Totó. Tive as mesmas paixões, as mesmas angústias e medos, o mesmo amadurecimento, os mesmos adeuses e as mesmas idas e vindas a que todos estamos sujeitos.

Hoje sou Totó adulto, com um pouco de cabelos já grisalhos, assistindo ao mundo com um sorriso que se permite o salgado sabor de algumas lágrimas, sob a perspectiva da lente desse cineasta que vive em meu próprio espírito.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Asas do Desejo, de Wim Wenders


Poderia escrever muitas coisas sobre o belíssimo filme Asas do Desejo, mas vou me ater à transcrição da belíssima cena em que dois anjos divagam, dentro de um carro estacionado, sobre o desejo de sentirem as mesmas coisas que o ser humano. É dada uma importância poética a detalhes tão banais do nosso dia-a-dia, nos colocando como seres desatentos às simplicidades da vida.


ANJO 1

E tu, que tens para contar?

ANJO 2
(falando com satisfação e desejo)

Uma transeunte fechou o guarda-chuva e ficou encharcada. Um aluno descreveu ao professor como brota uma planta da terra, e este ficou espantado. Uma cega tateou o relógio quando me sentiu.
É fantástico viver espiritualmente. Dia após dia testemunhar para a eternidade o que há de puro, de espiritual nas pessoas.
Mas às vezes me farto desta eterna existência de espírito. Nessas alturas gostaria de não pairar eternamente. Gostaria de sentir um peso que anulasse a infinidade e me segurasse à Terra. A cada passo ou a cada golpe de vento gostaria de poder dizer: “Agora, agora, agora” e não “desde sempre” ou “para todo o sempre”. Sentar-me à mesa e jogar as cartas, ser cumprimentado, nem que seja só com um aceno. Sempre que o fizemos, foi a fingir. Fingimos que pescávamos, fingimos que nos sentamos numa mesa a comer e a beber, que nos serviam cordeiro assado e vinho nas tendas no deserto. Era tudo a fingir.
Eu não quero gerar um filho, nem plantar uma árvore, mas seria bem agradável chegar a casa cansado e dar de comer ao gato. Ter febre, ficar com os dedos sujos de ter lido o jornal... Não me entusiasmar só com coisas do espírito, mas com uma refeição, com a curva de uma nuca, de uma orelha. Mentir descaradamente. Ao andar, sentir o esqueleto mexer-se a cada passo. E finalmente supor ao invés de sempre saber tudo. Poder dizer “ah”, “oh” e “ai” ao invés de “sim” e “amém”.

ANJO 1

Poder, ao menos uma vez, entusiasmar-me com o mal. Extrair todos os demônios da Terra, dos que por nós passam, e afugentá-los para bem longe. Ser selvagem.

ANJO 2

Ou experimentar o que se sente quando se tiram os sapatos debaixo da mesa e se estendem os dedos descalços.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Mr. Vingança, de Park Chan-Wook


Sou grande fã do cinema coreano. Desde Old Boy, Park Chan-Wook tornou-se um dos meus cineastas de pele amarela preferidos. Já li críticos comparando Chan-Wook a Tarantino, e de fato é uma comparação plausível. Há quem diga, inclusive, que o coreano coloca Tarantino no chinelo. Chan-Wook é um mestre dos filmes de violência gratuita, com os elementos sangue jorrando, vísceras expostas e crueldades desmedidas sendo usados à volonté.

Nessa semana assisti Mr. Vingança, de 2002. O filme conta a história de Ryu, um rapaz surdo-mudo de cabelos azuis esverdeados com cara de abobalhado que pretende ajudar a irmã que precisa fazer um transplante de rim. Sem doadores compatíveis, Ryu recorre ao mercado negro. Numa transação, ele é passado pra trás por uma quadrilha, que rouba toda sua economia assim como seu rim. A namorada de Ryu o convence então a sequestrar a filha de 4 anos do empresário Dong-Jin para conseguir novamente o dinheiro para cobrir os custos do transplante da irmã. Mas o seqüestro não sai como planejado. A irmã de Ryu se mata e a menina seqüestrada morre acidentalmente. O que vemos a partir de então é o plano de vingança de Dong-Ji contra os sequestradores de sua filha e, simultaneamente, a vingança de Ryu contra a quadrilha que roubou seu rim e seu dinheiro.

Há uma cena em que Ryu se utiliza de um taco de baseball para liquidar com uma de suas vítimas, que faz o Urso Judeu, de Bastardos Inglórios (Tarantino), que também se utilizava de um taco para destruir as cabeças dos nazistas, ficar miúdo no quesito sangue nos olhos. Cena de se fechar os olhos de nervoso.

Um filme que envolve o seqüestro e a morte de uma criança e que aborda um tema tão sanguinário quanto a compra e a venda de órgãos humanos no mercado negro já é de se eliminar os que não possuem um pouco de sangue frio. Aliás, os filmes de Park Chan-Wook exigem estômago forte e coração em dia.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um Homem Sério, dos irmãos Cohen


"Tá pensando o quê de mim? Eu sou um homem sério, oras!" É muito fácil numa discussão ouvirmos alguém disparar com o dedo em riste essa expressão para defender-se de algum insulto. Mas qual é mesmo o conceito de um homem sério, hein? É um sujeito que paga as contas em dia? Uma pessoa incorruptível? Que ajuda os familiares menos afortunados? É um sujeito exemplar no trabalho? Um cara politicamente correto? A comédia dramática dos irmãos Cohen é uma lente de aumento sobre um homem de fato sério. No filme, o mundo estruturado de Larry Gopnick é colocado em xeque quando de um dia pro outro todas as áreas de sua vida desmoronam, deixando-o sem chão.

Larry é um típico pai de família dedicado à mulher e aos filhos. Leciona Física numa universidade e está prestes a ganhar estabilidade. Ele acolhe em sua casa o irmão desafortunado que não tem onde morar. Em suma, Larry é um cidadão íntegro. E o que acontece quando uma avalanche de problemas estoura e sua vida é arrastada cada vez mais pra longe de seus conceitos, crenças e moralidades?

No trabalho, o chefe de Larry informa que está recebendo cartas de um anônimo que tenta tirar o crédito de sua integridade logo quando ele está prestes a receber uma promoção. Sua mulher Judith pede o divórcio e, pra completar, assume que está namorando Sy Ableman, um amigo do marido. Seu filho adolescente Danny se mete com maconha e com indisciplina na escola. Sua filha Sarah vive pegando dinheiro de sua carteira para fazer uma futura cirurgia plástica no nariz. O vizinho invade o gramado de seu quintal. Seu irmão Arthur envolve-se com a jogatina. E assim Larry perde a paz completa. Ele então recorre a rabinos numa tentativa de buscar respostas que tragam sentido aos problemas de sua vida. Os religiosos, no entanto, expõem parábolas e histórias que não parecem trazer resposta e alívio pra nada, pelo contrário, imprimem em sua cabeça pontos de interrogações que o deixam mais atordoado que antes.

"Quando a verdade é encontrada, será mentira; toda a esperança com você morre". Sábias palavras do rabino Marshak. Ou seriam apenas umas linhas da música Somebody To Love (Jefferson Airplane). Um Homem Sério é de fato um filme que traz respostas que vêm em embalagens de dúvidas. E Larry Gopnick me fez lembrar uma passagem da Bíblia, no livro de Mateus, que diz que o sol nasce sobre maus e bons e a chuva cai sobre justos e injustos.

Vale a pena assistir.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Distrito 9, de Neill Blomkamp


Distrito 9 deveria ser adotado em aulas de História. O filme nos aproxima bastante do Apartheid - regime adotado durante 42 anos na África do Sul (de 1948 a 1990) no qual o poder concentrava-se nas mãos dos brancos. Os negros e os demais povos eram obrigados a viver segregados em áreas estabelecidas pelo Governo e sob leis que os impediam de ser verdadeiros cidadãos, com pouco ou nenhum direito social, econômico e político. O grande tema do filme de Neill Blomkamp é essa analogia à parte obscura da história da África do Sul, já que os aliens, preconceituosamente chamados de "camarões" pelos humanos, sobrevivem num tipo de confinamento geográfico e submetidos a leis similares aplicadas aos negros na época do Apartheid: a Lei do Registro Populacional, por exemplo, que obrigava o cadastro de todas as pessoas separadas por raças; a Lei das Áreas de Agrupamentos, que barrava os negros em áreas permitidas somente aos brancos; a determinação e a criação dos bantustões (bairros só para negros).

As cenas de violência são compensadas por algumas doses de comédia, não permitindo que o filme seja de todo tenso e sério. Há uma boa carga de humor, principalmente a que se concentra no protagonista nervoso e agitado, Wikus Van De Merwe.

Distrito 9, sem sombra de dúvida, foi um dos melhores filmes de 2009 com seu roteiro inovador e realista. Porém não posso deixar de observar alguns pontos negativos: a falha na parte técnica de narração - que se perde entre o modo convencional e o modo "a la Cloverfield" de se filmar -, os clichês dos personagens que lembram o primeiro filme do Hulk e outros filmes - sogro militar do mal e soldado brutamontes transformado em grande vilão - e o final que deixa o espectador com muitas dúvidas no ar.

Para mim, um dos melhores e mais originais filmes de ficção científica que já assisti.

terça-feira, 9 de março de 2010

Onde Vivem os Monstros, de Spike Jonze


Já havia lido críticas dizendo que Onde Vivem os Monstros era um filme que tinha pouco de aproveitável para o entendimento das crianças além dos simpáticos monstros que, aliás, me fizeram lembrar muito os personagens de A História sem Fim, de 1984. Se não tratasse de questões mais profundas, também compararia o roteiro adaptado de Spike Jonze ao do filme infantil do início da década de oitenta, cujo personagem principal também usa a imaginação como refúgio dos problemas do dia-a-dia. Onde Vivem os Monstros é capaz de penetrar no ninho onde adormecem algumas de nossas questões incômodas e trazê-las à superfície para um confronto direto à luz da realidade. As dúvidas do menininho, nomeado rei pelos monstros de um mundo fantástico, são impressionantemente muito parecidas com as minhas enquanto adulto. Como agradar a todos que me cercam com as suas carências e personalidades? Como tomar a melhor decisão diante de certas circunstâncias? Como administrar de forma equilibrada o meu próprio reino?

Fiquei surpreso com o fato de o filme não ter concorrido a nenhuma categoria do Oscar deste ano. Lamentável ao quadrado. Havia força suficiente para disputar melhor filme, melhor diretor, melhor trilha sonora e melhor roteiro adaptado (adaptação do livro escrito por Maurice Sendak em 1963).

Vale ressaltar a trilha sonora feita por Karen O., ex-namorada de Spike e vocalista da banda Yeah Yeah Yeahs, que traz a sensação da ingenuidade e da liberdade infantil enquanto Max brinca na floresta e na duna com seus amigos.

Tornei-me fã de Spike Jonze desde Adaptação, filme que dirigiu em 2002 sobre o próprio roteirista do filme, o confuso Charlie Kaufman. É dele também a elogiada comédia de humor negro Quero ser John Malkovich, de 1999, também escrita por Charlie Kaufman.

Onde Vivem os Monstros certamente reinará com toda sua majestade e importância em meu mundo particular do cinema.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Blade Runner, O Caçador de Andróides, de Ridley Scott


Quando Blade Runner foi lançado em vídeo, por volta de 1983 / 1984, lembro que meus pais me vetaram na sessão que seria feita no conforto da sala de casa. A justificativa: "não é filme pra criança". Certamente fui pra cama decepcionado. O título era (e ainda é) muito interessante para um menino de quase dez anos. O que poderia ser mais atraente para um garoto nessa idade do que as palavras "caçador" e "andróides" reunidas num único título que, aliás, segue a mesma linha, por exemplo, de O Exterminador do Futuro (filme violento para a época, pode rir), que assisti escondido na casa dos meus primos, lugar onde me realizava como fazedor de merda. Quase trinta anos depois, entendi que Blade Runner é de fato uma ficção científica mais cult que as demais. Meus pais estavam certos. Eu não entederia lhufas naquela época. No máximo iria me apaixonar pela andróide Pris, interpretada pela loira Daryl Hannah, com seu estilo new wave de ser e seus excêntricos movimentos de ginasta. Por outro lado seria bem capaz de ter pesadelo com o líder dos andróides Roy Batty, que mais parece um integrante de passeata gay e pouco tem de assustador. Estar na pele do herói blade runner Deckard (Harrison Ford), perseguindo andróides nas ruas futuristas de Los Angeles com sua pistola modernosa, também não iria mal. Ainda mais tendo aos seus pés a linda e sensível andróide Rachael (Sean Young), com seu estilo de pin up andrógina.

O filme é uma adaptação da novela Do Androids Dream of Electric Sheep?, escrito em 1968 por Philip K. Dick. A história se passa em 2019, quando a humanidade inicia a colonização espacial. A fábrica de andróides Tyrell Corporation cria os chamados replicantes, seres geneticamente alterados, mais fortes e mais ágeis do que os próprios humanos. Por algumas razões, os replicantes foram criados com um tempo de vida útil de apenas quatro anos. O trabalho pesado e arriscado nas colônias é feito por eles. Ocorre um motim numa dessas colônias e a presença dos replicantes na Terra torna-se proibida. Aí é que entra em ação o ex-blade runner Dackard (uma espécie de soldado de elite dos caçadores de andróides), voltando à ativa para combater os replicantes rebeldes que vêm à terra em busca do seu criador para fazê-lo aumentar a duração de suas vidas.

É nítida a importância desse filme na história do cinema. Sugiro ainda que o assistam mais de uma vez, pois uma série de questões filosóficas são levantadas e, portanto, numa primeira sessão feita com um olhar menos atento são passíveis de não serem percebidas. As grandes dúvidas que afetam os replicantes são as mesmas que as nossas: quem é o nosso criador? por que morremos? qual a nossa missão?

A trilha sonora é marcante, visto que eu já conhecia grande parte dela antes mesmo de assistir o filme. Sensação de reconhecimento. Logicamente que nesses quase trinta anos de Blade Runner suas músicas foram exaustivamente repetidas em publicidades e paródias, o que torna a trilha bem familiar a quem assiste o filme pela primeira vez.

Um detalhe importantíssimo que não poderia deixar de mencionar é a cena em que Dackard passa diante de um letreiro onde se pode ler Bradbury (não é Blackberry!). Que sacada do diretor para homenagear um dos maiores (senão o maior) escritores de ficção científica Ray Bradbury! Para quem não conhece, Bradbury é o autor americano de Crônicas Marcianas e de Fahrenheit 451, obras-primas da literatura adaptadas para o cinema, teatro, tv, quadrinhos etc. Para citar o exemplo mais conhecido, em 1966 Truffaut adaptou Fahrenheit 451 para as telonas. Aos mais resistentes às ficções científicas, como eu, os contos de Crônicas Marcianas são um excelente quebra-gelo. Sendo eu um dos que faziam coro ao grupo resistente a esse gênero, e tendo hoje como pilares do meu olhar sci fi o escritor Ray Bradbury e agora o filme de Ridley Scott, prometo a mim mesmo ter mais carinho e atenção com as obras literárias e audiovisuais voltadas aos robôs, alienígenas, espaçonaves e, principalmente, a uma humanidade mais consciente com seu planeta e com os seres que nele habitam.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Feliz Natal, de Selton Mello


A velha máxima popular “família é tudo igual, só muda o endereço” passou por minha cabeça durante grande parte do filme Feliz Natal (2008), de Selton Mello. Ao apertar o play do controle remoto, entrei em contato com os laços viscerais de uma família tão comum quanto à minha e às de milhões de pessoas espalhadas pelo globo.

Tragédias, culpas, acusações, loucuras, vícios, distâncias, separações, solidões. O oposto do afeto é cruamente exposto, trazendo uma introspecção incômoda. É quase palpável o vácuo existente entre os personagens. Pode ser que as questões levantadas passem batidas aos que vivem ao redor de uma mesa de café da manhã com pessoas perfeitas e sorridentes presas a um comercial de margarina. Não que isso seja uma utopia, o buraco da realidade é que é um pouco mais embaixo.

Quem é Caio e o que o passado dele esconde de tão grave? São perguntas que funcionam como fios condutores da trama. Cada personagem tem suas doses, geralmente cavalares, de drama. Os conflitos precedem aos diálogos através de olhares, sorrisos e gestos prestes a despencarem de um precipício a qualquer momento. É a certeza da existência de uma linha tênue separando as seguranças e as inseguranças da vida.

Sou suspeito para falar de Leonardo Medeiros, que interpreta o protagonista Caio. Até o momento gostei de todos os filmes com ele: Não por Acaso, O Cheiro do Ralo e Budapeste. Provavelmente tenha assistido outros trabalhos do gabaritado ator que geralmente encarna figuras atormentadas que muito me agradam e me incomodam (no melhor sentido da palavra).

Lucio Mauro também está excelente fazendo o papel de pai de Caio. Lucio é um verdadeiro monstro sagrado da dramaturgia brasileira e sou fã do ator.

Uma atriz que ainda não conhecia era Darlene Glória, que interpreta a mãe problemática de Caio. Excelente a cena em que ela resolve falar do sentido bíblico do Natal à mesa, no “enterro dos ossos” da ceia.

Graziella Moretto é rotulada em minha mente como atriz de humor. Tenho a impressão de que a qualquer momento ela vai me fazer rir. Nesse filme a atriz está otimamente dramática como a cunhada de Caio, apesar de não conseguir dissociar sua imagem do caricatural.

Quanto ao ator Paulo Guarnieri, nunca havia assistido nenhum filme com ele. Lembro do seu rosto em novelas da Globo quando eu ainda era moleque. Ele devia estar bem sumido, pois fiquei surpreso com a aparição dele no filme. Guarnieri faz o papel de irmão de Caio.

Esse foi o primeiro filme dirigido por Selton Mello. O roteiro foi escrito em parceria com Marcelo Vindicatto. Minha admiração por Selton era somente enquanto ator de cinema. Que os futuros trabalhos de Selton, também como diretor e roteirista, sejam tão bacanas quanto Feliz Natal.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman


Não fossem as extensas 2h40 de duração, o clássico Cenas de um Casamento, do sueco Ingmar Bergman, não teria me cansado após o que seria o tempo normal de um filme com seus noventa e poucos minutos. Mas nada que tire o merecimento desse drama de 1973, vencedor do Globo de Ouro de Filme Estrangeiro.

Temos a história de Johan e Marianne, um casal bem sucedido que mantém um casamento aparentemente perfeito. Até que Johan se apaixona por uma mulher mais nova e abandona Marianne. A partir desse conflito entramos em contato com os sentimentos desconhecidos que surgem entre eles, o que os leva a um declínio conjugal. É um filme altamente psicológico e sustentado principalmente pelos diálogos inteligentes e precisos que sobrevivem bem ao escasso cenário e à ausência de trilha sonora, o que não dá muita margem a inclinações comoventes. Palavras a seco, dentro de um aspecto teatral, nos fazem de testemunhas nas questões discutidas pelo casal, como se presenciássemos pessoalmente os altos e baixos de Johan e Marianne.

Não que Bergman faça questão de revelar o pessimismo do matrimônio. Ele traz à tona os incômodos da rotina, das obrigações familiares, do sexo, dos filhos, dos bens e de tantas outras questões simples que tornam-se complexas quando a sujeira é varrida pra debaixo do tapete como se fosse uma grande arte. Mas também mostra o outro lado da moeda, onde o respeito e a amizade é o que há de mais valoroso numa relação amadurecida pelo tempo.

Esse foi meu primeiro contato com um filme de Bergman. A impressão é a de que ele fazia um cinema humano e que levantava questões. Através de Cenas de um Casamento, Bergman foi realmente capaz de tirar o espectador de uma situação indiferente ou passiva a respeito de um assunto e sacudi-lo através de sua arte. Fui "vítima" desse sacode, o que me fez despertar o desejo de saber mais sobre a obra desse grande artista sueco.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Clube da Luta, de David Fincher


Diz um ditado que existem mulheres que conquistam o homem pelo estômago através de uma boa comida. Da mesma forma existem os filmes que conquistam o público ou parte dele com uma única música ou com uma trilha sonora que o pegue de jeito. Não sou nem de perto um especialista em trilhas para cinema. Um curso ou um bom livro seriam muito bem-vindos e assim eu poderia futuramente passear com um pouco mais de propriedade sobre o assunto. Por enquanto considero-me um simples espectador que possui a mesma sensibilidade auditiva da maioria dos mortais, diferenciado apenas pelas minhas preferências e impressões pessoais.

Minha atenção estalou quando assisti Sangue Negro numa dessas salas de som digital. Senti uma perturbação crescente ouvindo aquelas batidas marcadas que pareciam não combinar em nada com as planícies bucólicas onde se fazia a extração de petróleo. Um cenário que definitivamente parecia exigir um som mais pacífico. Porém a história era o maestro, e não a paisagem. O suspense, mantido em todo o tempo pelo som desconcertante, fez da trilha a grande protagonista do filme. A atenção do público era sustentada principalmente pelo som sinistro. A partir de Sangue Negro, passei a dar uma atenção mais carinhosa às trilhas.

Voltando um pouco mais no tempo, uma das minhas trilhas prediletas, que eu tinha gravada numa fita cassete, é a de Coração Valente, filme dirigido por Mel Gibson em 1995 e que conquistou o prêmio de Melhores Efeitos Sonoros entre as cinco outras estatuetas conquistadas na edição de 1996 da maior premiação de cinema do mundo . Outra trilha que tinha gravada em fita cassete: Rocky IV, filme de 1985, com a histórica Eye of the Tiger. As músicas de Coração Valente e de Rocky IV tinham o poder de me fazer assistir o filme mental e detalhadamente. Esse é o verdadeiro poder de uma trilha bem feita. Outro caso interessante foi o de Shrek Terceiro, que tocou num dado momento do filme Do You Remember Rock N´Roll Radio?, dos Ramones, uma das minhas bandas preferidas. Naquele momento, de frente pra tela com o ogro verde e com Ramones tocando em alto e bom som, me veio à mente um outro filme (bem mais viajante que Shrek): eu levantando da poltrona e soltando os bichos num pogo tipicamente punk. Mas estava na formalidade do cinema e dali seria posto pra fora caso tivesse um acesso de loucura entre meus semelhantes. Minha próxima meta é gravar a genial trilha de Kill Bill, do cineasta top da minha lista.

E assim aconteceu quando assisti nesse fim de semana o filme Clube da Luta, dirigido por David Fincher. O auge, na minha opinião, não foram as cenas de luta, nem de sexo, nem de insanidade. O auge foi a última música na cena final que coroou o filme: Where is My Mind, do Pixies, banda que fez parte de toda a minha adolescência punk e que reinará para sempre nos HD´s da minha vida. Nenhuma outra música poderia ter sido melhor encaixada do que essa, totalmente pertinente à confusão mental do protagonista. Não só a letra, mas o som também trouxe mais alma pro final apoteótico. Aquele sim foi um final feliz e digno para um espectador como eu, surpreendido com o que há de melhor em sua raíz musical. O filme poderia ter sido até mais ou menos, mas já teria valido à pena pelo simples fato de ter Pixies nos últimos minutos. A música trazia o filme inteiro dentro de si - início, meio e fim. Confesso que não dei atenção suficiente ao restante da trilha, mas se só tivesse essa música, como já disse, seria o suficiente.

O crédito, obviamente, vai para o roteiro bastante original e para as brilhantes atuações de Edward Norton e Brad Pitt. Edward Norton faz o papel de um investigador de seguros que tem um confortável padrão de vida mas que devido às suas ansiedades prefere conviver com pessoas problemáticas que frequentam terapias grupais (pessoas com câncer, com tuberculose etc). Dessa forma ele tenta aliviar seus anseios. Nessas reuniões ele faz amizade com Marla, uma mulher com tendências suicidas. Tudo muda quando ele inicia uma estranha relação de amizade com o personagem de Brad Pitt, Tyler Durden, um excêntrico vendedor de sabonetes. Os dois passam a morar juntos numa mansão caindo aos pedaços após uma misteriosa explosão no apartamento do investigador de seguros e fundam assim o Clube da Luta - um clube que tem como membros homens que se socam violentamente, como se estivessem numa terapia. A originalidade do roteiro é o que me fisgou. E quando roteiro, atuações e trilha estão em sincronia, a arte sobra, como foi o caso desse cultuado filme de 1999. Se é que a arte pode de alguma forma sobrar nas obra-primas dos grandes artistas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Grindhouse: À Prova de Morte, de Quentin Tarantino


Quando assisti Grindhouse: Planeta Terror há um tempo atrás, não sabia que o filme fazia parte do segundo episódio (vamos assim dizer) da produção da dupla Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Somente agora, pesquisando em sites de cinema, é que descobri que os dois cineastas produziram juntos, numa única película, um filme dividido em duas partes numa homenagem aos filmes B dos anos 70, que não contavam com a primazia da qualidade mas divertiam o público em cinemas baratos, conhecidos como Grind Houses.

Planeta Terror, dirigido por Robert Rodriguez, já havia me impressionado bastante, tanto pela paródia aos filmes de zumbis como pela presença de uma das personagens femininas mais punks e, na minha opinião, mais fascinantes do cinema moderno, Cherry Darling, vivida pela musa Rose McGowan. Cherry Darling tem um encanto feroz, tem no olhar uma voracidade sensual e, principalmente, tem no lugar da perna uma genial metralhadora que extermina zumbis a torto e a direito. Planeta Terror lembra muito Um Drink no Inferno, também dirigido por Rodriguez e com a participação de Tarantino no elenco.

Ontem assisti a primeira parte do filme, Grindhouse: À Prova de Morte, dirigido dessa vez por Tarantino. Os zumbis são deixados de lado e dão espaço a um serial killer das estradas, vivido por Kurt Russell. De primeira me conquistou por ter em sua história um assassino totalmente atípico que não empunha facões, machados, picaretas ou motosserras para liquidar suas vítimas, mas sim um carro "à prova de morte".

Inicialmente pensei que o filme fosse remeter ao clássico Encurralado, de Steven Spilberg, mas logo essa comparação cai por terra quando nos trinta minutos iniciais é apresentado aos espectadores o rosto do psicopata das estradas, ao contrário do longa de Spilberg, cujo rosto do motorista do sinistro caminhão não é mostrado. Aliás, genial o nome do serial killer: Dublê Mike.

Uma característica latente do filme, tratando-se de Tarantino, são os diálogos intermináveis. Outro dado interessante é o uso de câmeras, personagens e outras situações presentes no filme Kill Bill. O xerife local Earl McGraw, por exemplo, que aparece em Kill Bill na cena em que averigua o massacre ocorrido numa igreja, também aparece em À Prova de Morte, quando faz para o espectador um raio-X de apresentação do serial killer dentro de um hospital. Também temos a cena final do espancamento, muito similar à sequência em desenho animado de Kill Bill. Outro detalhe interessante é a música "Twisted Nerve", assobiada por Daryl Hannah em Kill Bill, que vem dessa vez em forma de toque de celular de uma das personagens. Ainda devo dizer que não pode ser coincidência as cores preto e amarelo do uniforme de Uma Thurman em Kill Bill serem as mesmas do carro em que um dos grupos de meninas dirige.

Os pés fazem parte do fetiche de Tarantino, outra descoberta que fiz perambulando pelos blogs de cinéfilos, e por isso há cenas que realçam os pés das personagens, como a cena de abertura.

Tanto quanto a dança de John Travolta e Uma Thurman em Pulp Fiction, a cena da "dança no colo" de À Prova de Morte já entrou para o meu hall particular de cenas clássicas do cinema.

Alguns atores e atrizes de Planeta Terror estão presentes tanto na primeira quanto na segunda parte de Grindhouse. Rose McGowan pode não ter uma perna-metralhadora dessa vez, porém surge como a dona de uma das mortes mais originais e bizarras que já assisti. O elenco ainda conta com uma pequena participação do ator Eli Roth, que fez o excelente personagem O Urso Judeu de Bastardos Inglórios.

À Prova de Morte mudou meu conceito sobre ação sobre quatro rodas e sobre o gênero terror. Os fãs de Tarantino e os que curtem Rodriguez terão um prato cheio. Nada poderia dar mais certo do que a parceria entre esses dois gênios da sétima arte.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Amantes, de John Cassavetes.


Robert Harmon é um romancista que vive cercado por mulheres. Ele trabalha em um novo livro e busca a matéria-prima de suas idéias na boemia. Seu ritmo de vida, que tem como pontos principais a dedicação ao seu novo projeto e a atenção às mulheres que transitam por sua casa, é interrompido com a chegada de sua irmã Sarah, que está passando por um doloroso processo de divórcio e que ao mesmo tempo tenta tratar-se de problemas psicológicos depois de passar por algumas instituições psiquiátricas. Sarah sofre ainda pela filha Debbie, que durante uma audiência do divórcio decide viver com o pai. Para completar o inusitado na vida de Robert, seu filho Albie, de oito anos, é deixado aos seus cuidados pela ex-mulher. E assim o escritor tem que lidar com essa estranha família dentro de sua casa, o que o obriga a mudar todos os seus hábitos e a rever alguns conceitos.

Ainda não conhecia o trabalho de John Cassevetes. Ele é o diretor, o roteirista e o protagonista do filme e ainda contracena com sua própria mulher, Gena Rowlands, que faz a irmã problemática que, aliás, está impagável na cena em que vai a um abrigo de animais a fim de comprar um “bebê” para equilibrar a vida de seu irmão. Ela enche um táxi com pôneis, cabra, galinhas, pintinhos, um cachorro e despeja todos no quintal de Robert.

Amantes é um filme de 1984. Interessante observar o figurino da época, os cabelos armados e as músicas. Exceto por algumas longas tomadas estáticas que me entediaram até ocorrer alguma ação ou diálogo, considerei o filme ótimo, o que me despertou a curiosidade para assistir outros filmes do cineasta, como A Morte de um Bookmaker Chinês, de 1976, ano em que vim ao mundo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Noite dos Mortos-Vivos, de George Romero


Não tinha motivo nenhum para não gostar de filmes de zumbis, afinal de contas o primeiro filme desse gênero que assisti quando moleque foi o excelente trash A Volta dos Mortos-Vivos, de Dan O´Bannon, de 1985, e que muito me impressionou. Aos 10 anos de idade nunca havia visto vísceras e cérebros sendo devorados por criaturas bizarras e com uma exposição tão crua. Os demais filmes de zumbis ficaram pequenos depois desse grande clássico. Nenhum outro me impressionou tanto, o que me fez evitá-los por um bom tempo. Minto: exceto Planeta Terror, de 2007, com o toque de Tarantino. Mas esse filme é outro papo por ter sido feito propositalmente num formato B-movie e exige um outro tipo de olhar.

Esse meu jejum de anos foi quebrado ontem após assistir A Noite dos Mortos-Vivos, de 1968, do mestre George Romero. Obviamente a produção não teve os recursos de efeitos especiais existentes hoje no mundo do cinema, porém não deixou a desejar em nada no que se refere aos principais quesitos presentes nos filmes de terror.

A claustrofobia dos personagens acuados dentro de uma casa isolada num campo e cercada por seres comedores de miolos é a grande sensação causada pelo filme. Os zumbis beiram o ridículo dos defuntos clássicos vestidos de terno e gravata ou de camisola. Com suas caras brancas e com o andar arrastado, os monstros não pareciam oferecer muita resistência a quem se dispunha a enfrentá-los com disposição. Parecia ser muito fácil fazer uma fuga com toda aquela locomoção lenta deles. Mas ainda assim Romero nos convence do pânico se supostamente estivéssemos no lugar dos personagens. E que personagens convivendo sobre pressão dentro da casa! Três mulheres - sendo uma delas louca -, uma menininha que cai doente depois de ter sido ferida por um monstro, um homem que tenta agressivamente levar todos para o sótão, um rapaz com cara de idiota e um homem que passa o tempo todo ateando fogo em objetos para afastar os zumbis e vedando portas e janelas com as madeiras dos móveis que ele freneticamente desmontava. Prego era o que não faltava na casa.

Os atores deixam a desejar, mas isso não reduziu em nada o valor dessa grande obra. Sem contar que as atuações com socos, tapas, pauladas e empurrões desferidos são primárias e cômicas.

Depois de A Noite dos Mortos-Vivos resolvi acrescentar alguns zumbis à minha lista de filmes a serem assistidos que me atraíram pela originalidade do roteiro: Zumbilândia, Dead Snow, REC e Dead Set.

Mestre Romero não tem o poder apenas de ressuscitar mortos mas, através de seu cinema, ressuscitar dentro de alguns, que já se consideravam mortos para os filmes do gênero, uma nova percepção pelo mundo dos zumbis.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O Ódio, de Mathieu Kassovitz


Esse filme de 1995 tem como protagonista Vincent Cassel fazendo o papel de um jovem judeu desajustado, Vinz, que promete matar um policial caso seu amigo Abdel, vítima de um espancamento aplicado num interrogatório em decorrência de um conflito com a polícia, venha a falecer. Num período de 24 horas após o confronto, Vinz e mais dois amigos caminham pelo bairro onde moram. É noticiado na TV que durante o conflito um policial perde uma arma carregada. É Vinz quem a encontra, e assim passa a andar armado e a se meter em situaçõe onde prevalece o grande suspense do filme: Vinz terá ou não coragem de fazer uso da arma contra um policial?

Vincent Cassel, bem mais jovem e com aspecto de skinhead, fez bem o papel de desajustado. Atualmente esse francês é um dos meus atores preferidos. Ainda não havia assistido filmes com ele mais novo. Os últimos foram já na sua fase mais madura da idade e da profissão - os excelentes "Inimigo Público Nº 1 - Instinto de Morte (parte 1)" e "Senhores do Crime" e o ótimo "À Deriva". Portanto sou suspeito para falar dos filmes onde Vincent Cassel está presente com sua brilhante atuação. E se houver um parafuso a menos na mente do personagem interpretado por ele, melhor será.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Fogos na Planície, de Kon Ichikawa


Acabo de assistir Fires on the Plain (no Brasil, Fogos na Planície), filme antibelicista de 1959 dirigido pelo japonês Kon Ichikawa (1915-2008). O filme mostra a trajetória de Tamura, um soldado japonês que após ser rejeitado por sua companhia devido à escassez de comida pra sua tropa e, posteriormente, rejeitado pelo hospital que tratou de sua taberculose, torna-se um errante que tenta sobreviver na floresta em meio a bombardeios americanos nas Filipinas, em 1945. Com apenas um punhado de sal, alguns inhames e uma granada,Tamura tem a companhia de soldados maltrapilhos que se arrastam com fome e sede, cometendo inclusive atos de canibalismo tamanho o desespero pela vida.

Tamura é um personagem cômico com sua cara de bobo, seu jeito submisso e sua postura desengonçada. Alguns outros personagens também são interessantes em meio àquela miséria militar, como o soldado aleijado que guarda tabaco no bolso para trocar por carne com um companheiro que diz caçar macacos na floresta.

Seria insano quem dissesse que há algum tipo de beleza na guerra, porém Setsuo Kobayashi conseguiu extraí-la através de uma fotografia em preto e branco extraordinária.

A peculiaridade do tema inanição na guerra, trazida à tona pelo olhar de Ichikawa, sem sombra de dúvida faz de Fires on the Plain um dos melhores filmes de guerra da história do cinema japonês e do cinema mundial.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Bulgária fora da briga

The World is Big and Salvation Lurks Around the Corner, do búlgaro Stephan Komandarev, ficou fora da briga pela estatueta do 82ª edição do Oscar.

Como ainda não assisti os filmes concorrentes ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, não tenho opinião formada sobre a briga. Espero ainda nessa semana assistir o elogiado A Fita Branca, que concorre a essa indicação

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A Culpa é do Fidel, de Julie Gavras


Estava para assistir A Culpa é do Fidel há um bom tempo. Nesse fim de semana finalmente aluguei o DVD, atraído principalmente pelos elogios que ouvi sobre a atuação da atriz mirim Nina Kervel-Bey. Nina, fazendo o papel da questionadora Anna de la Mesa, já faria valer a locação do filme dirigido pela cineasta francesa Julie Gavras. No entanto não somente Nina fez valer, mas sim a bela história que gira em torno da pequena porém grandiosa personagem Anna.

Não é preciso ter vivido parte da infância num lar comunista para se entender o que se passa na cabeça de uma criança que se depara com situações onde adultos subestimam o entendimento infantil. Quem, enquanto criança, nunca descobriu dramas familiares através de tropeços e escorregões de pais, tios e avós, ou até de empregadas fuxiqueiras? Os questionamentos de Anna poderiam ser muito bem adaptados a outros assuntos como separação, doença ou morte na família , mudança de lar etc. A coisa principal do filme não é a posição política dos pais da menina e nem a situação da França, como pode parecer à primeira vista, mas o poder de absorção e de entendimento a que uma criança está sujeita diante das questões que envolvem os adultos e, a partir disso, o consequente e inevitável nascimento das primeiras impressões a respeito do mundo.

Através da sensibilidade típica de uma criança acima do seu tempo, somos levados a refletir sobre nossas posições tantas vezes engajadas ou carregadas de equívocos. E se alguma poesia chegar aos olhos e ouvidos de vocês através do mundo de Anna, a culpa é de Julie Gavras.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar a Esquina, de Stephan Komandarev


The World is Big and Salvation Lurks Around the Corner, do búlgaro Stephan Komandarev, caiu em minhas mãos antes mesmo que eu tomasse conhecimento que o filme havia sido pré-selecionado, junto com mais 9 finalistas, à concorrência do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tirando a vaga da produção brasileira Salve Geral. Em 2 de fevereiro serão divulgados os cinco finalistas que disputarão a estatueta.

O extenso título do longa ainda não foi traduzido oficialmente para a língua portuguesa, mas se levarem à risca será chamado O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar a Esquina.

Tão deliciosas quanto as lembranças dos quitutes que eram preparados com amor pelas vovós da nossa infância são as recordações de um tabuleiro de jogos sobre a mesa separando o neto do avô. A mesa de jantar simplesmente deixava de lado sua função básica de apoio para pratos, talheres, copos e garrafas para dar lugar à busca pelo movimento perfeito na dama, no xadrez ou no gamão. O jogo em si, carregado de estratégias, vitórias e derrotas, não era o principal. A construção dos invisíveis laços de afeto era o maior aprendizado entre as extremidades de uma geração ao final de cada partida, diferentemente dos jogos entre estranhos, onde o que geralmente impera é o amor ao dinheiro. Diante de um mundo virtual tão sedutor e vasto, a previsão é que a valorosa relação entre os avôs e os netos com um tabuleiro entre eles acabará, em breve, fazendo parte de um elo perdido.

Stephan Komandarev adota esse mote como espinha dorsal do filme, onde o gamão é a grande parábola para os conflitos dos personagens. Numa Bulgária regida sob o comunismo soviético, The World is Big... mostra a relação de um avô com seu neto, Sasho, que perde a memória e os pais num acidente de carro. O avô, conhecido como Rei do Gamão, tenta reconstruir a memória do neto através de um tratamento nada convencional aplicado por ele próprio além dos muros do hospital, e adotando como remédio a vida que acontece lá fora e, é claro, o gamão. Os dois viajam juntos sobre uma bicicleta tandem – aquela que pode ser dirigida por mais de uma pessoa – e vivem instantes significativos para ambos. Em paralelo, tomamos conhecimento da infância de Sasho com seus pais, que viveram durante anos como emigrantes na Itália, num campo de exilados vítimas do comunismo, e onde sofreram lutas enquanto expatriados.

Os dados serão jogados na cerimônia do Oscar, em Los Angeles, no dia 7 de março. E já que o Brasil ficou fora dessa disputa, que a sorte esteja ao lado do habilidoso búlgaro Stephan Komandarev na busca pela almejada estatueta.